quarta-feira, outubro 31, 2007

Vai me desculpando a prosa, mas é por causa da chuva

Paulo Márcio Fontes Terra, Paulinho quando criança, antes de ser pego três vezes em Janeiro, quando das águas, fugindo de casa pra pegar chuva no terreiro. A partir desse dia, sua alcunha era Truvão. Na boca dele o”Tru” demorava mais, com mais erres e us: “Trrruuu- vão”. Não sabia o futuro que ainda teria uma vozinha esgarniçada de Paulo-Paulinho, e que seu apelido não cairia tão bem num rapaz franzino e de fala encriançada.

De moço, Truvão ainda mantinha o gosto de tratar das plantas de fundo de quintal. Já fora de Pains há uns 10 anos, ele agora tratava de jardim de gente bacana na cidade. Lembrava sempre de cabeça a sua mãezinha Lira ralhando das matreirices verdes do rapazote “Paulim só sabe dar conta com pranta. Nem gente, nem menino, nem escola. É pranta”. Toda vez escutava a mãe por dentro da cachola, no trato dos jardins mais luzidos e deslocados, acompanhava um cheirinho de lenha queimada, terra trovejada, de pirueta molhada e de xingos de Lira, o que dava jeito num riso besta por dentro que teve quem passasse e se inquietasse “ê truvão, sonhando em pé?”.

Truvão se esquivava os olhos, e voltava pra terra rodiada de ardósia, de firulinha em volta, muito diferente do que viu de menino, terreiro, chuva de tardinha... e verde que nasce só pra nascer.

Aquilo encucava o moço. Como é que coisas iguais - porque planta é planta em qualquer lugar - seriam tão diferentes agora de quando chovia no terreiro batido? Encucado do mesmo jeito ficava quando chovia, e trovejava, e toda a gente se albergava em guarda-chuvas, dentro dos carros, no trânsito, nos apartamentos, desgostando da coisa mais batuta que aquele lugar sabia remedar do outro, do outro que verdejava à toa.

Pensava, “assim são os homens como as criaturas”, tal e qual sentia com as verdes companhias sentia também com as figuras dos guarda-chuvas. Sua mãe, ralhadeira que era, sem muito tino pra criança, moço ou rapaz, sabia que mesmo o menino teimando em ir chover na chuva, Truvão, gostava daquilo. De planta e de água caindo. Zanzar por ali era o que ele sabia, mexer com os pés de plantas era o que o menino gostava, mais ainda do que de doce de goiaba de domingo. Da mesma maneira, ralhar era o que fazia Lira com esmero, era o seu jeito de mostrar cuidado e atenção. O Truvãozinho, molhado, sabia também, que daquela caraça enrugada de dona, na rabeira de um xingão vinha um pano seco ou um copo de leite quente de caneca de esmalte ou os dois quando a chuva chovia por demais.

Agora, Truvão ainda anda sozinho, mas sem quintal e, às vezes, espera depois de uma garoa que aqui tem demais, alguém, desses de guarda-chuva, que vai olhar pra ele de braço arcado na cintura, enrugando o meio dos olhos, dizendo pelo menos um “ô Truvão, sai da chuva. Larga um pouco essas plantas e vem pra portaria um instante”. Mas não, não tem esse que fala as coisas olhando de brabeza e cuidado. E ninguém tem paciência pra portaria, elevador, chuva ou jardim. A gente daqui anda com os dois pés quase no ar de tanta carreira desatada.

Truvão gostava das coisas mais plantadas, que nascem de besta que são. De tarde, em dia de céu virado, olha pra cima com os olhos de Lira, pensando se poderia ele pedir pra chuva entrar, porque lá fora as coisas andam difíceis esses dias. Às vezes, no dia que a chuva toda vem, ele também chove um tiquinho. Outras vezes não, só volta pro jardim com aquele riso-brisa-besta de dentro e uma saudade que nasce de nascimento, assim, sem regar.

4 comentários:

maria lutterbach disse...

descambou pra prosa, ôxi.
vi seu pas-de-deux sozinho, do silêncio afinado e sapato tirado em casa. lembrei que tô sem liga pra andar de dois..será que depois
a gente endireita e pega de novo no tranco?

Anônimo disse...

vixe! igual que nem chuva mesmo, molhando devagarinho, ou planta nescendo de besta no longe da gente. Muito bom.

Mel Rocha disse...

Muitas vezes quando a chuva vem dá vontade de chover também, igualzinho ao "Truvão". saudade do c

Anônimo disse...

orgulho do papai.