terça-feira, dezembro 20, 2005

Uma história sobre o fim entre camas e covas

Por entre meio-tons de cinza e verde mastigávamos elogios uns dos outros por um mês ou mais. Por algum tempo me deitava e jogava um jogo com meus desejos e a realidade. Te queria ao ritmo do tempo. Quanto mais, mais. Você me queira do seu jeito. Quanto mais, nada.

Entre encontros e desencontros, entre telefonemas sem assunto, me jogava e cavava minha cova funda como quem fazia a própria cama para dormir sem hora marcada pra acordar. Eu sabia. Eu te amava. Eu te perdia.

Entre cansaço e saudade nos encontramos. Eu, como sempre, abanando o rabo, fiel como um mascote, tremia de felicidade ao te ver mais uma vez. Você, como sempre, nada. Um nada entre um elogio ou outro, entre um beijinho ou outro. Um morno que eu aprendi a amar. Nesse dia você me olhou triste, também como quem fazia a cama para me deitar sem saber que eu já a havia feito, e me disse um caminhão de palavras tristes que eu nem ouvia, segurando a sua mão, correndo seus braços com as minhas, te decorando pra levar comigo.

Entre uma palavra e outra arriscava te olhar nos olhos e percebia que não eram como antes. Tentava agora te escutar, como se precisasse, como se eu não soubesse o assunto. Percebi que também não era boa com as palavras e que se complicava ao tentar achar uma explicação deglutível para aquela situação. Te abraçava como quem não entendia. Eu não entendia de fato. E você não explicava de fato.

Entre palavras úmidas e cigarros, assumi que me oferecia o fim. Nesse momento te ofereci um novo começo em contraproposta já me inclinando para deitar naquela cama feita à duas mãos. Eu estava certo. Disse “que pena” com os olhos molhados. Te dei um ultimo abraço e percebi de relance o que estava estampado em sua camisa parda como eu:

“Por que você não me ama?”

Me levantei a procura daquela cama/cova prometida que era minha desde o início. Eu sabia.


Lucas dos Anjos

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Sobre vapores e amêndoas

Distribuo por sobre a cama alguns pequenos pedaços de tudo aquilo que fomos nós, alguns recortes antigos e carcomidos de nossas caras, de nossos gestos, num amontoado de papel amarelado, que aos poucos perde seus sinais de vida e deixa que a nostalgia os invada por completo, com seu cheiro de mofo, de passado, aquele cheiro dos ausentes que não se tocam mais e que todo dia, em uma dada hora, a mesma, sempre, lembram de algum episódio em que riam de amenidades. Distribuo minuciosamente bem todos os episódios, todos os momentos e realço em determinada hora os dias em que estivemos mais felizes, quando seu caminhar por sobre o tapete da sala era sublime, e seu rebolar tão natural que nascia no ventre e morria nas coxas me fazia pensar que o mundo não é lá tão importante diante de algumas horas ao seu lado, sob os lençóis verdes que você fazia questão de nos embrulhar. E foi inevitável pensar no doce cheiro de amêndoas, que tomava nossa casa, ali pelas três da tarde, dos sábados calorentos, quando você saía do banho e religiosamente se secava ainda no box, cantarolando numa voz-doce-muda uma canção antiga e ainda você brincaria com o vapor que insistia embaçar os vidros, fazendo desenhos inimagináveis, e eu, enquanto isso, deitado na (nossa) cama fumava um cigarro e me enganava fingindo ler algum livro, quando na realidade só traduzia em pensamento aquilo que se passava no chuveiro, e você ainda nua, depois de secar seu corpo, passava o creme por seu corpo, com o doce cheiro de amêndoas, que se misturava ao vapor, e aos poucos tomava nossa casa, nosso pequeno castelo construído de palavras bonitas e gestos que por si só nos explicavam, e eu podia ver, na parede sua silhueta, que dançava com o movimento do vapor e luz, e acreditava, realmente acreditava, que éramos eternos. Recorto nossos recortes na esperança de entender-nos um pouco mais, mas em um segundo percebo que tudo o que fomos nunca vai ter explicação e que na verdade estou é desistindo de todas as lembranças, de todas as promessas, de nós dois, porque na verdade viver sabendo de tudo aquilo fomos é doloroso demais, e o que foi, deve ficar onde está, e não preciso trazer-te à tona, ainda mais agora, quando meus pensamentos se mostram tão densos, de uma densidade que na verdade não é minha; mas minha leveza, com os anos, esvaiu-se, e seria inútil tentar recuperá-la, agora, a princípio por dois motivos, o primeiro, porque é claro, nunca eu conseguiria ter novamente a leveza dos vinte e poucos anos, e a segunda, porque na realidade, não sou mais tão ameno, nem pretendo ser, porque alguns anos de angústia serviram para que meu olhos conquistassem uma dureza impossível de se retirar e qualquer movimento que tente o contrário só resultará em mais dureza, e acredite, dessas questões, pelo menos por hora, prefiro me eximir. Deixo nas sobras de meus recortes, por sobre o verde desbotado dos lençóis outrora tão vivo algumas horas que estão incrustadas de tal maneira em meu corpo que retirá-las significa sangrar, sangrar sem fim, até que o sangue fique ralo, tudo fique ralo e eu já não tenha tanta força para lembranças e devaneios. Luto contra, mas é inevitável lembrar de quando o vermelho era diferente para nós, e só nós sabíamos todos os segredos e beleza que um vermelho pode guardar, tantas músicas, sussurros e transpirações que o (nosso) vermelho pode ter, mas que claro, hoje em dia, eu não sei mais como vê-lo assim, e ele é para mim como uma lembrança de infância, como um cofre onde eu guardava meus soldadinhos de chumbo, mas que hoje em dia esqueci seu segredo, e então só posso o ver por fora, e lembrar as tantas coisas bonitas que ele guarda, mas que são inatingíveis. Recuo um pouco os recortes e penso em queimá-los, enxotá-los daqui pra nunca mais, mas também é uma tarefa difícil, essa de assumir o papel de exorcista de nossa vida, mas não quero também apelar para um sentimentalismo barato, e citar por horas nossas cartas trocadas, nossas lagrimas traídas, seu gosto em minha pele, e sua respiração em minha nuca, seu oxigênio em minha boca. Não. Prefiro agora me tornar tudo o que mais detesto e reconstruir minuciosamente todos os minutos daquele dia chuvoso de novembro, quando você não tinha mais as pequenas bolas pretas de seu olhos, mas sim um cinza indecifrável que simplesmente me despedaçou e ao pronunciar um ‘vou-me embora’ tão seco que serviu para acabar com tudo aquilo que éramos, e tenho que lembrar disso e tenho que perceber que sua frase, naquele momento, na verdade foi muito maior do que tudo aquilo que eu esperava, e foi um golpe seco, surdo, suficiente para quebrar nosso pequeno castelo de vidro, que ficou então estilhaçado, e entre os cacos, ali fiquei, e na verdade, só agora, depois de alguns tantos anos, tive a coragem de abandonar.

nian.pissolati

quarta-feira, dezembro 14, 2005

verde

Me empresta tudo que pese menos que o vento
dá me um sonho que reluza novos dias


é de cores
que eu existo

amarelo
vermelho
azul
.
.
.
.
verde

o pardo e o opaco se encaixam em outras abstrações.
o par do opaco se encaixa em outros abismos e atrações.

verde
e
o
que
mais
puderes
trazer
me


nian.pissolati

Meu. Seu.

Sua boca é a minha quando tira com fórceps o verbo que cisma em calar.
Suas conexões se fazem as minhas em noites de palavras engessadas
Seus olhos são os meus quando não quero a realidade que me tange.
Seu colo o meu lugar de trégua, de culpa sem dor.
Seus cigarros ao telefone me bastam.
Minha dor. Sua lavoura.
Meus conflitos...
Seus.



Lucas dos Anjos

o retorno

Volta... , mas mais ou menos

Fase constante

Vazão de sonhos sem fim
Um eu que não cabe em si
Dos andares pardos de um prédio concreto
Vejo a noite em silêncio

Debates impensáveis de alma
Querer aflito e inseguro
Mas depois de um tempo alguém gritou:
'são só chicletes mastigados'

*nian.pissolati

Todas

Todas as lágrimas que se jogam dos seu olhos, por essa ou aquela razão, percorrem seu rosto e se perdem no seu corpo assinando meu nome.
Todos os seu sonhos, bons ou ruins, começam ou terminam com a minha figura desdenhosa.
Toda dor que sente dói aguda pelo ritmo que te empenho e pela lembrança que te trago.
Toda falta que sente é saudade.
Todo amor que pode dar me pertence.
Todas ilusões são minhas por direito.

Lucas dos Anjos

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Muitas coisas na cabeça. Conversas que terminaram mas ainda não acabaram. Olhares trocados em poucos segundos mas que dizem demais. Um soco no ventre dado a quatro mãos. À espera de milagres. Mesmo sabendo que milagres não acontecem.

O mundo que se complica a cada minuto. Todas as pessoas, todas, sem exceção, que são injustas. Não são más, mas são injustas. E causam lágrimas, sussurros, gritos, suor e angústia. Saber que não se sabe tanto nem sobre si mesmo.

Piscar o olho um pouco mais lentamente, pra ver se alguém lhe conta um segredo indizível. Cansar de esperar por mudanças. Mexer com tudo em volta. Deixar de pensar demais.

*nian.pissolati

três

Faltaram uns segundos de respeito
Que não existiram
E que nem vão existir

dor

Olho triste para outros olhos que se buscam
E não são os meus
Apesar de conhecê-los tanto

dor

Enquanto isso fico no vai-não-vai que me mata

*nian.pissolati

Três cigarros

Quando as coisas se complicaram mesmo já era tarde demais. Ele já não tinha mais certeza de muitas coisas e preferia se ausentar de seus relacionamentos e pseudo-relacionamentos. Tomou um café, sozinho, em frente àquela praça que outrora passara momentos felizes. Mas desta vez estava sozinho, só ele, a xícara de café, e seus três últimos cigarros do maço. Um casal ria à sua frente, conversando sobre o último verão. Uma leve dor de cabeça começava a anunciar que aquele final de dia na verdade era apenas o começo de uma longa noite abafada e sem sono. No máximo alguns minutos de sonhos ruins, que se confundiriam com seus maus pensamentos e que resultariam apenas naquele torpor opaco dos angustiados.

Tomou um gole do café e acendeu o primeiro de seus últimos três cigarros.

O calor era grande e confundia ainda mais suas idéias. Há muito vinha tentando tomar uma decisão. Mas os medos eram maiores que as certezas e achou melhor nada decidir. Alguns meses de ansiedade e expectativa por algo, que na verdade só dependia dele. Apagou o cigarro e pediu outro café. O casal na sua frente já tinha ido embora. Agora o que via era um senhor de idade, lendo o jornal. Impressionou-se com suas rugas. As linhas que cortavam seu rosto e suas mãos eram impressionantes. E começou a sentir o odor da velhice. E de certa forma sentiu aquele cheiro se impregnar em seu corpo, e de repente, seus vinte e poucos anos se multiplicaram três vezes. E agora sentia todo o peso da idade em suas costas. Estava cansado. Era como se seus últimos quatro anos tivessem valido por quarenta.

Acendeu o segundo cigarro.

Deu um gole no café que o fez sentir menos as coisas. Na verdade, chegava a uma conclusão, vendo aquele senhor, impassível, lendo seu jornal. Seu problema era que sentia as coisas demais. Tudo era muito. Queria poder estar calmo. Nem sofrer demais, nem morrer de alegria por alguns minutos. Apenas viver tranqüilo, com dias melhores, dias piores, mas sem grandes exaltações. Deu mais um trago que o fez acreditar ainda mais em suas idéias. E ao apagá-lo havia decidido três coisas: seria menos sentimental. Iria parar de fumar. E ligaria para sua melhor amiga falando que na verdade tudo de ruim que já havia acontecido era tolice. E que tudo deveria ser esquecido, porque eles eram muito maiores do que aquelas bobagens que ele havia feito. Viu que estava na hora de pensar em algumas pessoas que estavam com ele e às vezes, lhe passavam despercebidos.

Estava na hora do último cigarro.

Seu segundo café já tinha acabado. Tentou não pensar em absolutamente nada enquanto durassem seus últimos tragos. Brincou com a fumaça, tentou não associar aquele momento a nada, apenas a ele. Aquele era o seu momento. O momento de desfrutar tudo de si mesmo, e ver o quanto ele poderia ser bom e ruim. Pensou na maior bondade que já tinha feito. Na maior maldade também. E isso não o afetou tanto quanto ele pensava que afetaria. Talvez isso já fosse um sinal de que começava a domar seus sentimentos. Apagou seu cigarro. Pagou a conta. Chegaria em casa e ligaria para a sua amiga.

***
Ele nunca deixou de sentir tanto. Dois meses depois voltou a fumar. E ele descobriu que sem sua amiga, ele não seria ninguém.

*npl

Tempo de chuva

Todas as ruas estavam encobertas por folhas tenras. Não haviam caído por velhas e sim porque choveu e ventou mais que devia.
A minha impressão nessa manhã era de que nada ou ninguém conseguiu se isentar do que a chuva trouxe consigo. Nesse dia ele compartilhava com tudo o gris do dia. Ele havia chovido. Ele era cinza por dentro
Dias cinzas o encantam.Fazem-no olhar oblascente para a cidade e seu ritmo. Ele caía no vazio de uma contemplação opaca, curta, uma hipnose estética. Pensou em sair de casa. Um café, um jornal...
No caminho olhava pro chão e se indagava quais eram mais numerosas. As folhas caídas ou as pessoas que se irritavam com a morbidez do dia? Pergunta sem propósito - pensava. Olhava para os carros, um ou outro tinha pressa. Quem teria pressa aquele dia? Nem mesmo os garis que varriam as ruas. De mais a mais, deviam engrossar o coro dos que agradeciam as grossas nuvens. Disparate! Talvez os únicos que assumiam a leveza daquele dia eram de duas categorias de pessoas. Os garis e os que, como ele, se dedicam ao ócio e à inércia. O peso mais brutal que conhecera presume-se ser o de um caderno grosso ou um livro bem costurado. Escória.
Andava a um centímetro do chão descendo a rua Castro rumo ao café Castelo, que de castelo não tinha nada se não fosse pelo seu Jairo dono rei da espelunca suja que ostentava seus cem quilos molhados de suor. Tinha uma voz oleosa e mão de dar nojo.
Ao chegar pediu uma média, um cinzeiro e fósforos. Sacou o jornal do dia da pasta e, sem muita vontade, correu os olhos sobre as letras maiores. Na verdade aquilo não o excitava. Não passava de um ritual de sacrifício do tempo. Cada letra a mais, menos segundos do dia. Seus olhos obedeciam a cadência da leitura, linha por linha, mas o entendimento negava-lhe presença. Seus ouvidos reparavam conversas misturadas, atravessadas por tosse, por gemidos, gotas da torneira que caiam e uma música irritante que Jairo rei mostrava orgulhoso ao freguês mais animado.
De quando em quando erguia a cabeça e analisava o perímetro. Alguma mudança. Pessoas saiam, mudavam de lugar, outras entravam. Todas desinteressantes. As mesmas desconversas. Agora importava outro café no lugar daquele frio.
Ele olhava através da meia porta aberta que ainda restava descer. Olhava a rua e policiava seu ritmo. No fim o mesmo dia cinza. As pessoas pareciam as mesmas só que com roupas diferentes. Os garis, eles não. Empenhavam um dinâmica diferente. Vaivens, assovios, cantorias. Matavam o tempo. Eram cúmplices na empreitada do dia.
Ao fim da tarde ele já havia permutado as letras do jornal. Rasgava as pontas e brincava de acertar o cinzeiro, a xícara. Uma ou outra caia ao chão, mas quem se importava? Bons modos naquele dia, naquele lugar? Ora. Nenhuma palavra ele disse a alguém. Nenhuma palavra alguém disse a ele. Não que ele tenha escutado. Não que merecesse atenção. Até que o último arranjo aconteceu naquele café amargo. A cadeira ao lado dele arrastou pelo chão assoviando. Pediu um café e um pão com uma voz segura. Firme. Clara. Jairo oleoso o serviu sugerindo pressa. Ele olhou para o lado e percebeu que aquele lugar, a cena do crime, era refúgio dos dois cúmplices. Ele e o gari.
O trabalhador o cumprimentou satisfeito. Um sonoro "boa tarde". Ele devolveu um alçada de sobrancelhas e um desvio de olhar para a porta. Ainda ventava mas o jornal acabara. O trabalho do dia também acabara para o braçal. Não havia outra opção senão prestar atenção na conversa do Seu Jairo com o sujeito. Conversa aquela que cheirava a óleo e a suor. Resmungos fétidos.
Não se aproveitava nada daquele papo e ele olhava o gari como quem dissesse: " sei o que você fez hoje com o tempo!". Mas nada dizia. Somente olhava e desviava o olhar. Esse era o novo jogo.
Ele voltou para seu último café. Tentara desviar a atenção para o que realmente importava. O dia. O tempo. Escurecia. Aquele fora o café mais rápido do dia. Lançou a mão no bolso olhou o relógio e colocou moedas em cima no balcão. Alçou novamente as sobrancelhas a saiu de assalto. Apertava o passo como lhe apertava o peito uma sensação muito estranha. Uma raiva ansiosa. Loucura de chegar em casa e voltar pra onde não deveria ter saído naquele dia. Cama e cigarro.
Na sua casa também ventava. Havia um sinfonia de rangidos. Janelas e portas, dele e dos vizinhos brigavam com o vento. Aquele som tirou seu sono. Ou seriam os cafés? Não se importou com aquilo. Ficaria feliz mesmo sem dormir, só queira casa e cigarros.
De fato o sono não lhe visitou. O vento não parou e anunciou a chuva pela manhã o que lhe deixou satisfeito. Outro dia daquele! Às seis da manha colocou os pés na rua. Era a mesma rua com as mesmas folhas. Eram os mesmos carros na mesma velocidade. Eram as mesmas pessoas que eram as mesmas ontem.
A menos de uma passo de casa resolveu voltar. Entrou em casa retirou os sapatos e sentou à cama.
Aquele era o mesmo dia. Aquele era o mesmo tempo morto. Esperaria outro motivo pra sair de casa.


Lucas dos Anjos

Relacionamento

As tantas portas tortas estão abertas
Entre
Faça bagunça
Tire os móveis do lugar
Escreva seu nome nas paredes
Mexa em tudo

Regue minhas flores
Torne-as mais perfumadas
Mude a cor dos meus armários mais antigos
Troque as roupas de gaveta

Só não faça morada
Nem visite os cantos mais frios
E os quartos mais escuros

Tome a chave
Fique o quanto quiser
E deixe marcas

Será pior na partida
Eu sei
Mas só assim pra valer a pena

*npl

sobre balas e pirulitos

aos poucos as poucas partes da sua vida de porcelana iam se colorindo.
o rosa do fim de tarde lhe era sonoro outra vez.
seus cabelos ruivos, balançados com o vento, lhe davam um ar de desproteção. e isso era lindo.
e o mudo voltava a ser uma caixinha de bonecas, onde a maior preocupação era escolher entre balinhas de caramelo ou pirulitos amarelos.

sua voz era doce, mas ao mesmo tempo firme.
o mundo realmente parecia ser pequeno demais. e isso era bom.

sentia um constante gosto doce na boca, que lhe dava vontade de cantar.
sua vida era um sonho.
interminável.

e essa era a melhor realidade que ela poderia ter.

*npl

A Janela

Não poderia precisar a quanto tempo ele estava lá. A maçaneta e as dobradiças da sua porta já não se lembravam do seu ofício tal qual seus ossos e juntas há muito em desuso.

Nesse dia ele acordara diferente dos outros dias. Nesse dia olhava em detalhe para o resto do seu corpo inerte. Além da vergonha que já sentia, a costumeira, daquela massa magra e gorda ao mesmo tempo, ele sentia dores diferentes das que o acometiam no meio de quase todas as noites. Ou seriam dias?

No seu campo de visão se acomodavam à sua mesa empoeirada, cheia de recortes, uma xícara suja, um cinzeiro sem visitas e um porta-retratos velho e vazio. Ao lado da cama uma garrafa de água morna e suja e embalagens de balas e remédios baratos. Alguma revista.

A última viagem da qual se lembrava era do translado da cama ao banheiro. Fatigante. A última visita que recebera foi a de um senhor que batera à sua porta procurando alguém que, para ele, não existia. Voltava pra cama animado em não render assunto.

O vento que entrava pela janela entreaberta cismava em jogar aqueles papéis da mesa ao chão. Ele observava como se pedisse ao vento pra ventar em outro lugar. Franzia a testa e resmungava.

Inflou os pulmões e decidiu levantar-se de assalto. Três tentativas até erguer-se e se arrepender em dor. Sentou à beira da cama e contemplou os papeis ao chão, derrubou a garrafa de água com seu pé destreinado. Franzia o corpo todo.

Enfim, levantou-se. Pegou a garrafa e mirou à cozinha em um passo lento. Olhava sem querer para os dedos do pé ao caminhar. Entre um tropeço e outro, alcançou a pedra da pia onde sentou a garrafa. Esticou o pescoço. Rodou a cabeça. Com as mãos sem jogo, tocou a cortina que se debruçava em sua única janela. Abriu lentamente a janela que lhe revelou um sol de janeiro. Foi quase um flash que o cegava.

Depois de um minuto de acomodação frente ao incômodo as coisas começavam a se definir. Passava por ele um velho e seu jornal hipócrita. Uma criança ruiva caia de bicicleta. Um ou outro pássaro pousava no jardim do outro lado da rua. Uma moça se fazia ver extravagante em seu vestido roxo, que coisa!

Procurou o ar. Olhou pro céu azul tinto em rosa aqui e ali. Exitou em fechar a janela, entretanto o fez. Sentiu-se bem. Passou a mão na garrafa de água. Encheu. Voltava pelo mesmo caminho quando olhou pros papeis ao chão e resolveu parar. Envergou-se e apanhou todos e isso lhe custou um urro de dor. Arrumou-os novamente sobre a mesa. Entre eles um retrato perdido. Fitou-o por alguns minutos. Imóvel. Franzia o corpo novamente. Resmungava diferente. Colocou-o com esmero no porta-retratos. Caminhou até a porta velha, descascada. Girou a maçaneta bruscamente e com pouca força abriu um pequeno ângulo. Como rangia! Como se poupasse por pena a porta, resolveu desfazer o que havia feito. Fechou novamente.

Voltou pra cama mostrando em seu rosto um sorriso beóceo. Um mal-estar leve da dor que ainda restava.



Lucas dos Anjos

Repetição

Se minhas ilusões já não me convencem tanto
É que algo de grave se perdeu
Ou quebrou
Ou descolou

Eu sei o que é

Mas do real já me bastam as frustrações sólidas.
As não palpáveis deixo pra trás.
Apesar de acabar remoendo-as ainda sobra uma gota de esperança

Dissolvo-a em meu pensamentos
Pra ver se seu mel me entorpece

Suspiro mais uma vez

Nian Pissolati

Universo Paralelo

Te falo palavras ao pé do ouvido e torço para que saiam boas. Luto e reluto mas me entrego ao teu sorriso. À tua voz e à tua boca. Penso nos sonhos bons que ainda vou ter, nos quais você será a protagonista. Tento construir um enredo de nossa história em minha cabeça, mas é desnecessário. Deixo-me envolver em teu presente e o aroma do hoje me agrada

O mundo é mais brando.
E tudo é pretexto para estar com você.
Tiro um pouco o peso dos ombros, apago a luz e te deixo me conduzir.

Sim, isso tudo é o que você está pensando.

*npl

destinatário

Hoje tenho uma alegria que não se coordena em letras.
Tem um vento fresco que embala meu ânimo como pluma.
Uso um sorriso fácil que me custou o sono e alguns cigarros
E tem endereço...

Meu corpo tem o peso de pó,
Minha cabeça pesa mais um pouco,
Meus dentes a mostra pesam uma tonelada
E tem endereço...

Tenho nas mãos aquela vontade com mais de sete dias, muito mais!
E tem endereço....
Me resta aprender a chegar lá direito.


Lucas dos Anjos (Raposo).

Mea culpa

Tento por dias a fio ser dono das minhas vontades.
Canso-me, a contragosto, do gosto das minhas verdades.
Quisera eu engessar planos, petrificar sentidos
Oh dádiva fugidia!
Padeço em vertigem dos medos que próprio me empenho

Culpado. Eis o veredicto.
Assumo a dor pela fugacidade do meu apego
Em penúrias me deito sobre o manto
Manchado pelo visco do ódio a mim mesmo.


Lucas dos Anjos

Valendo!

Foi declarado o início da partida.
Jogadores e oponentes preparados, com as táticas de guerra na ponta da língua e à flor da pele. Olho no olho. De olho no tempo.
É hora de pensar como um exímio adversário.
Pensar no que pensar e pensar no que ela vai pensar. Se adiantar aos fatos e aos pensamentos.
Dissimular.
Fintas e dribles desconcertantes.
Tudo pra não entregar um jogo idiota.
Não entendo o que esses humanos planejam. Um complô contra eles mesmos?
Um exercício diário de auto-tolhimento. Isso deve engrandecer alguém!
Qual o problema em se entregar? Qual o motivo pra tanta regra? Alguém pode me explicar qual a hora certa pra telefonar, pra falar que se está com saudade, pra dizer que gosta, que ama?
Montem sobre suas regras e justifiquem seus fracassos. Brilhante!
É muito freio pra pouca curva. É presumir o fim antes do começo. Aliás, foda-se o fim! Que venha se quiser. Só não aceito frear pra ele.
Perceba que é muito mais fácil entrar quando se acha a porta aberta.
Perceba que todo jogo requer adversários.
Isso eu não quero.


Lucas dos Anjos

Filme

Hoje falta algo em meu olhar. Meus olhos te procuram nestas sombras que me tombam. Falta algo em meu abraço.

Teu cheiro ainda impregna meus lençóis, e a lembrança das palavras ao pé do ouvido me arrepiam. Hoje o dia tem menos sabor. Ainda te procuro nas ruas, passo pelas esquinas tentando te encontrar.

Ainda vejo tua boca em meu corpo. E o meu suor que não é mais meu, e os meu suspiros que se transformaram em seus, ainda se fazem sentir.

E o meu corpo cansado, calado (mentira) se deixa cair no burburinho da noite tão clara. Hoje meus passos são falsos, o sorriso raro e o medo claro. Acordei sorrindo e dormi em lágrimas.

Quero sentir a maresia em meus dedos. Minhas serras não me agradam mais. Ouvir você suspirar sobre o meu peito e sentir tua paz.

Meus caminhos são incertos mas me levam até você.

Sou jogado ao calor do teu corpo e nada é mais necessário que isso. Não vou falar do tempo nem de outras futilidades. Isso é pouco para nós. Tens uma parte minha que carrega contigo. E isso não é tudo. Ainda teremos mais coisas bonitas pra contar.

Minha sorte em tua vida. A alegria de me ver em ti. Fecho os olhos e te vejo.

Um pedido, me espera. Guarde-me num canto, embrulhado pra presente, o teu presente.

È melhor calar agora e entender que isso tudo é apenas o começo. Minha história é tua, te entrego meus desejos e fico à deriva, esperando teu barco passar.

*npl

Verdade equivocada

Bem, vamos por partes - ele falou. Não é bem assim. É que algo ficou para traz, no meio do caminho. Não sei o que foi.

Mas você sabe que isso não resolve nada - seus olhos diziam muito mais que sua frase.

Olha, tenta me entender. Foi tudo muito bom, mas passou, preciso de um tempo - nesse momento ele olhou pro teto.

Escuta. Não vou discutir. Não vou reclamar. Nem vou aprontar nenhum escândalo. - o cigarro em sua mão tremia. A dor é imensa. Tomara que um dia eu consiga te ver e não sofrer.

Não diga isso, vai passar - sua voz engasgou.

Não, não vai. - ela saiu do carro e desabou.

:: e não passou::

*npl

a parte q me resta

te apago
por acaso
mas é raso

te parto
por inteiro
mas é meigo

te transformo
e te nego
mas me renego

sou torto
sou turvo
claro

sou fumaça no frio da noite

te apago
mas me lembro
que já fui esquecido

fugacidade eterna.


*npl

Oração

Quero liberdade. Quero poder andar pelas ruas, com o vento na cara e não ter que pensar em absolutamente nada. Quero poder deitar na cama, olhar pro teto, ouvindo Chico e não associar isso a ninguém. Só a mim, ao meu prazer. Quero ser egoísta.

Quero dançar até me acabar. E que seja sozinho. Embriagar-me na minha solidão. Mas uma boa solidão. Daquelas em que se olha para o céu, tranqüilamente, e não há medo de nada. Fazer um café, ler um livro. Rabiscar coisas aleatórias e ver no que dá.

Quero poder cair e me levantar com minhas próprias mãos. Saber que eu posso dançar com algumas pessoas, mas no momento estou sozinho no salão, e inexplicavelmente isso vai ser a melhor coisa do mundo.

Quero poder acordar um único dia e não pensar nisso.

*npl

Nem ave, nem peixe, nem arenque vermelho.

Assim como todos os outros ela também estava perdida. Por trás daqueles óculos, dentro daqueles pequeninos olhos sinceros, alguma coisa não se encaixava. Ali, do outro lado das lentes, um mundo tão grande, tão complexo e ao mesmo tempo tão distante.

E seu sorriso tinha um constante pesar. Sua presença marcava um grande sentimento de falta. Mas ninguém sabia ao certo o que era essa ausência. Nem mesmo ela. E vivia seus dias na esperança de algo acontecer. Que fosse um terremoto, uma chuva torrencial ou um simples bater de asas de uma borboleta, que lhe tocasse e a fizesse ver o mundo com outros olhos.

Ela deveria mudar? Ou era o mundo que perdia o sentido? Mas era necessário um sentido? Dúvidas. A catástrofe da rotina, do cotidiano, a invadia e ela já não sabia o que fazer. Tinha amigos, é claro, mas eles também pareciam estar submersos neste cinza constante das noites mal dormidas, daquelas tardes intermináveis.

Mas mal sabia ela que sua beleza era grande demais. Que o seu gostar de pequenas coisas, como dançar loucamente uma boa música era algo maravilhoso. Seu mundo, tantas vezes incompreendido era bom. E talvez fosse um dos poucos que realmente valessem a pena serem vividos.

E, na verdade, de todos, ela era a melhor. E apesar de não saber, era a que mais merecia a alegria. Pelas suas crenças, seus medos, desejos e incertezas. Seus olhos perdidos nas ruas, seus momentos de silêncio, as tantas conversas em que escutava muito mais que falava. Isso tudo já lhe valia o que há de melhor. E talvez ela não compreendia, mas seu destino era ser feliz. Não importava as dificuldades e os problemas que ainda viveria, porque seu destino, realmente, era ser feliz.

*npl

Só podia ser você

Algumas frases que não dizem muito. Ou nada. Ou tudo. Um maço de cigarro perdido na mesa de bar que você não pegou. Um olhar que se cruzou e num mínimo instante era tudo ou nada. Alguma canção que não foi cantada. Um riso que soou forçado. Aquilo que não foi dito.

Seu caminhar que me pareceu irregular. O telefonema que eu não te dei e que doeu. A falta quando o colo foi necessário. O abraço que faltou. O grito que ficou contido. A gota que não escorreu. Os 10 minutos de espera que foram tão longos. A chuva que choveu e não te tocou.

Foi o quê? Eu não sei. E tenho muito medo. Medo do que está por vir. Do que ficou. E saber que por mais que acabe é eterno. E que a dor é bela. Dói mas é pura. E é sincera. E é linda. E que existem coisas que só você pode falar. E só você vai falar. Quando eu menos esperar. E vai doer. E eu vou novamente perceber, que de todas, a única que falaria isso seria você.

*npl

Frágil

Hoje eu senti todo o teu gosto amargo. Percebi que todo aquele teu veneno doce também pode me doer. E que na verdade eu sou muito mais vulnerável. Você, que me dava toda a segurança para eu me mostrar, é muito maior do que eu pensava. E você já era tão grande...

Transcrevo essas linhas na esperança de me absolver, mas sei que a tentativa é falha. Porque o mal já está feito. Parabéns. Mais uma vez vejo que já entrei nesse jogo perdendo. Que apesar de tudo, não sou tão diferente quanto eu achei que poderia ser. Que de especial mesmo só tenho algumas palavras. Mas a palavra que sai da minha garganta vira onda. E some. E depois de um ínfimo tempo ninguém mais escutará. Nem mesmo você.

Minha cumplicidade em tuas mãos. Mas talvez ela seja desnecessária. Porque você já me conhecia antes mesmo de eu me dar conta. E talvez eu me preste mais a ser uma marionete no mundo. Digo o que queres ouvir. Faço isso porque é o que me apetece. E esse é o meu erro. Meu doce erro.

Hoje eu percebi que ainda falta muito pra minha doentia fragilidade esmorecer. Que a força que você me dava não era tão real. Ou talvez isso tudo não seja real. Hoje teu fruto me veio mais maduro, e a doçura mais amarga. Vi que a dor que posso sentir é muito maior que eu esperava.

E vi que te amo. E que na verdade não tenho idéia se isso é bom.

*npl

Moderno/ contemporâneo procura

Era um puto, ser que ostentava suas qualidades como um pavão com seu rabo.
Ele veio de fábrica com uma alça acoplada ao corpo, era só passar e pegar
Não tinha pudores, tampouco valores, valia o que fazia
Era um bicho, morador das ruas, o lado de fora era o seu lugar
O lado de dentro era o seu tormento
Não se via tal criatura durante o dia
Era o rei do vazio, do buraco, do escuro.
A luz do sol lhe dizia o que não queria
Era tão bom que não lhe doía.
............................................................................................................................
O nada chegou a tal ponto que fazia sentido
Sentia, agora doía ser tão cheio de vazio
A tranqüilidade da consciência começava a perturbar.
Ascendeu um cigarro, tomou mais uma dose e pensou:
"que viadagem".


Lucas dos Anjos

Lotou comigo

Havia uma pessoa
Nela, outra:
Eu.
superlotação


Lucas dos Anjos

Pra ninguém ouvir

Façamos silêncio. Por tudo que vivemos. Por tudo que não vimos. Pelas intermináveis horas de silêncio entre eu e você. Pela falta. Pela parte que me falta, que ficou com você. E que você talvez a tenha perdido. Ou deixado em algum canto onde não precise vê-la.

Façamos silêncio pelos tantos momentos de agonia que eu passei e ainda vou passar. Pelo teu sorriso que me faz mal. Pelas noites mal dormidas. Pelas tardes que se tornaram infinitas. Por aqueles complacentes à minha dor, mesmo sem entendê-la, mas que acreditam entendê-la.

Nos calemos. Por tudo que já foi dito. Por tudo que deveria ser dito. E principalmente pelo o que nunca deveria ter sido dito. Pelos anos que vão passar, e que no fundo, eu tenho a consciência de que não irão mudar tanto assim.

Nada se fala. Pelo que ficou. Pela fina lâmina que sempre irá machucar, seja hoje, ou daqui a 20 anos. Pela cicatriz que não irá se fechar. Pelo costume. Costume que nos ensina a conviver com tudo isso e acreditar que tudo vai passar. Mas que na verdade nos torna mais ásperos. Mais robôs. Mais inanimados.

Te escrevi uma música. E ela é muda.

*npl

Editando...

Minha proposta é esquecer! Convoco o mundo pra esquecer comigo as coisas e seus nomes, as pessoas e os seus sentimentos, as cidades e seus dejetos.
Vamos nos esquecer do que lembramos por um perfume, por uma música, por um nome.
É simples: você esquece, emburrece, simplifica. Soma alegrias e subtrai inquietações sobre a vida e suas insignificâncias problemáticas.
Esqueçamos dos nomes, damos outros e esqueçamos em seguida. de novo, de novo, de novo...
Percamos as pessoas, os parentes, os doentes, os inimigos e inventemos outros, com outros nomes pra depois esquecer.
Não nos lembraremos mais da estabilidade e sua inércia.
Movimentemos o esquecer, o choque do novo, do tapa na boca sentido pela primeira vez, seguido da primeira reação... do choro, do cuspe, do medo.
Vamos esquecer pra lembrar diferente.
escolhendo...
editando...


Lucas dos Anjos

Três minutos

Troco tudo que tenho por uma valsa contigo. Anda, me dê a mão, me ensina a ser feliz pelo menos durante três minutos. Me mostra que diante de tantos sonhos, eu ainda tenho porque lutar pelo resto de sanidade.

Vamos, me dê apenas três minutos de sua vida. Compartilhe teu corpo, teu cheiro, tua boca e todo o mistério do mundo comigo. Só por três minutos. Eu não sei dançar mas você pode me conduzir. Vai estar escuro, eu sei, mas você será meus olhos. E eu ditarei o ritmo de tua respiração, pelo menos por alguns segundos. E tua boca não será tão impossível. E poderei prever o teu gosto.

É só uma dança. Nada mais. Ou tudo isso. Me dê a mão. Me ensina a degustar os pequenos prazeres. Deixe-me conhecer teus pequenos segredos. Só lhe peço três minutos. Pela minha salvação.

*npl

Paz

Discreto e impassível, ele vinha andando pela rua. Olhar no horizonte, pensamento distante. Tédio. Pacata cidade, sem fortes emoções. Um gato malhado passa e mia sua angústia. Uma senhora assentada no ponto de ônibus lê uma revista. Crianças começam a sair do colégio do outro lado da rua.
Entra em uma livraria. Seu instinto o guia. Vai até a penúltima prateleira do pequeno estabelecimento entupido de livros de toda espécie. Não sabe o que procura. De repente, um pequeno livro, destes de bolso, com uma capa verde desbotada, o chama a atenção. É um livro de contos em francês. Não sabe falar francês, mas leva o livro. Chega em casa, encontra a carta de despejo, apanha então, inabalado, seus pertences , duas camisas, uma calça, seu chapéu e uma maçã que se encontrava perdida na geladeira. E vai embora. Na rua faz frio, e de madrugada, junto ao gato e de alguns outros despejados, aprecia seu livro, formando chamas verdes na fogueira. Com o ar mágico que as labaredas dão ao ambiente, dorme, para não pensar no amanhã. Sonha para esquecer a dor e para que o tempo passe sem lhe deixar feridas...

*npl

mentira

Tenho pensado em pedaços que não se regeneram! Pedaços que são pedaços pra sempre. Não estou falando de algum preceito da ciência, nem coisa parecida. Falo de mim e agora só de mim! Esse eu pedaço, esse eu solto... Coisas que me batem à cabeça quando fumo um cigarro, ou quando dirijo meio sem rumo à espera de uma buzina... tempo gasto para pensar em pedaços.
Pensar em pedaços é o que eu mais faço. Falo agora de pensamentos fragmentados, recortes de memórias e sentimentos. Coisas perdidas em gavetas, gavetas perdidas no meu quarto...
Coisas perdidas também me interessam muito, muito mais que acha-las. Isto, talvez pelo meu hábito de perder muito mais do que achar. Perco de tudo. Perco coisas que me interessam, objetos, eventos, números, datas. Mas tenho uma coisa que gosto de perder da mesma forma com a qual gosto de achar. Tomei gosto em perder pessoas. Elas aparecem, sugam e são sugadas e desaparecem. Mas não desaparecem como pó, elas desaparecem porque têm que desaparecer, pois o que lhes é oferecido é somente a chance de desaparecer. Elas não têm a chance de escolher entre coisa ou outra.
Eu, na verdade, não acredito que isso seja uma coisa que as deixe irritadas. Talvez instigadas. Mas não bravas. Porque elas não me perdem. Elas não podem perder algo que não têm, tampouco algo que nem conhecem. Não há afeto (não estou falando de afeto apesar de falar de relações). Falo quase a mesma coisa que "pessoas se experimentando e não gostando ou não tendo chance de gostar". O assunto é desencontros.
Ando sempre de peito aberto esperando por mais um desencontro. Chego a desejá-lo. Peço para que venha confirmar tal fracasso. Não pense que eu sou um coitado rejeitado. Se estiver pensando isso você está muito enganado. Apesar de achar que isso não faz parte do universo das minhas escolhas, é só algo que acontece sem tem efeito algum. Efeito sentimental, quero dizer. Configura mais um número, uma quantia sem sentido. Sem sentido e sem efeito. É quase nada, um nulo. São pessoas imitando coisas que andam. Elas se vão.
Essa é a diferença. Elas se vão e eu fico somando e subtraindo e pensando no que acontece. De uns tempos pra cá isso me faz pensar. Não nas pessoas/coisas que vão, mas na pessoa/coisa que fica. Procuro porquês. O que teria de muito errado ou de muito certo comigo?
Ando sozinho e esse é meu status permanente. Aprendi a ser assim, a gostar de mim assim. Não me dói ficar sozinho. Além do mais, sozinho. nunca fui de ficar se levarmos a palavra ao pé da letra. Sempre tem alguém ou uma coisa comigo...
Eu não sou inimigo do apego, nem da companhia, nunca desejei isso, pelo contrário. Gostaria de encontrar uma pessoa ou uma coisa que me despertasse uma vontade com mais de sete dias. Uma vontade irritante de estar presente. De comemorar sem motivo. De ficar sozinho sabendo que está junto, confortável.
Essa é a beleza que procuro em vão. Mas existe outro conforto: o de saber. Saber que não há, não existe, não é possível. Com isso resolvo grande parte dos meus problemas. É só se apegar às certezas. Certeza de que pedaço é pra sempre pedaço o que faz dele uma parte inteira.


Lucas dos Anjos