quarta-feira, novembro 28, 2007

Mínimo

Às vezes careço de ser invisível,

Tentar um pouquinho de fingimento

Pelo menos transolhado, que seja,

Desmirar das coisas de cimento


De vez eu consigo perto de tal

com as coisas passando por dentro,

mas não sei é desaparecer, de certo,

Não sou aparentado de ventos


Chateei de andar assim mostrado,

De ser domingo na vista de tudo.

Do tamanho de ser agachado

Podia ser a medida de todo mundo


Minuscular eu até consigo

De tão miúdo periga de pisoteio,

Mas se conseguisse desfigurar...

Ah, da vida tinha nenhum receio.


quarta-feira, novembro 21, 2007

Contra-choque

As verdades andam lado-a-lado

Os que divergem são os sentidos

Um entra mudo e o outro sai calado

Como se fossem pensamentos fugidos


O bom é quando as idéias se chocam

Por tão descombinadas que são

Um entra viva e pode sair morta

Numa mera questão de opinião


E desse embate é que tudo se nasce!

Há de haver julgamento para existir apelação

Só se move o mundo se for contrário

Só se tem movimento depois da inação




quarta-feira, outubro 31, 2007

Vai me desculpando a prosa, mas é por causa da chuva

Paulo Márcio Fontes Terra, Paulinho quando criança, antes de ser pego três vezes em Janeiro, quando das águas, fugindo de casa pra pegar chuva no terreiro. A partir desse dia, sua alcunha era Truvão. Na boca dele o”Tru” demorava mais, com mais erres e us: “Trrruuu- vão”. Não sabia o futuro que ainda teria uma vozinha esgarniçada de Paulo-Paulinho, e que seu apelido não cairia tão bem num rapaz franzino e de fala encriançada.

De moço, Truvão ainda mantinha o gosto de tratar das plantas de fundo de quintal. Já fora de Pains há uns 10 anos, ele agora tratava de jardim de gente bacana na cidade. Lembrava sempre de cabeça a sua mãezinha Lira ralhando das matreirices verdes do rapazote “Paulim só sabe dar conta com pranta. Nem gente, nem menino, nem escola. É pranta”. Toda vez escutava a mãe por dentro da cachola, no trato dos jardins mais luzidos e deslocados, acompanhava um cheirinho de lenha queimada, terra trovejada, de pirueta molhada e de xingos de Lira, o que dava jeito num riso besta por dentro que teve quem passasse e se inquietasse “ê truvão, sonhando em pé?”.

Truvão se esquivava os olhos, e voltava pra terra rodiada de ardósia, de firulinha em volta, muito diferente do que viu de menino, terreiro, chuva de tardinha... e verde que nasce só pra nascer.

Aquilo encucava o moço. Como é que coisas iguais - porque planta é planta em qualquer lugar - seriam tão diferentes agora de quando chovia no terreiro batido? Encucado do mesmo jeito ficava quando chovia, e trovejava, e toda a gente se albergava em guarda-chuvas, dentro dos carros, no trânsito, nos apartamentos, desgostando da coisa mais batuta que aquele lugar sabia remedar do outro, do outro que verdejava à toa.

Pensava, “assim são os homens como as criaturas”, tal e qual sentia com as verdes companhias sentia também com as figuras dos guarda-chuvas. Sua mãe, ralhadeira que era, sem muito tino pra criança, moço ou rapaz, sabia que mesmo o menino teimando em ir chover na chuva, Truvão, gostava daquilo. De planta e de água caindo. Zanzar por ali era o que ele sabia, mexer com os pés de plantas era o que o menino gostava, mais ainda do que de doce de goiaba de domingo. Da mesma maneira, ralhar era o que fazia Lira com esmero, era o seu jeito de mostrar cuidado e atenção. O Truvãozinho, molhado, sabia também, que daquela caraça enrugada de dona, na rabeira de um xingão vinha um pano seco ou um copo de leite quente de caneca de esmalte ou os dois quando a chuva chovia por demais.

Agora, Truvão ainda anda sozinho, mas sem quintal e, às vezes, espera depois de uma garoa que aqui tem demais, alguém, desses de guarda-chuva, que vai olhar pra ele de braço arcado na cintura, enrugando o meio dos olhos, dizendo pelo menos um “ô Truvão, sai da chuva. Larga um pouco essas plantas e vem pra portaria um instante”. Mas não, não tem esse que fala as coisas olhando de brabeza e cuidado. E ninguém tem paciência pra portaria, elevador, chuva ou jardim. A gente daqui anda com os dois pés quase no ar de tanta carreira desatada.

Truvão gostava das coisas mais plantadas, que nascem de besta que são. De tarde, em dia de céu virado, olha pra cima com os olhos de Lira, pensando se poderia ele pedir pra chuva entrar, porque lá fora as coisas andam difíceis esses dias. Às vezes, no dia que a chuva toda vem, ele também chove um tiquinho. Outras vezes não, só volta pro jardim com aquele riso-brisa-besta de dentro e uma saudade que nasce de nascimento, assim, sem regar.

terça-feira, outubro 16, 2007

escrita

sublinhava os passos com o meio fio. rascunhava o dia com caminhos distintos, entrecortados por pernas bambas.

apagava os mapas se embrenhando na multidão.

borrava a vida com as chuvas no verão.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Nadadeira Nadista

Enquanto a vida pinga

e empoça um pouco pra quem pisa,

Quer-se enxurrada

Feitas de pingo de cima


Tromba d’água fria!

Sequer enxugamos

Andamos desdenhando molhados

Até que somos lembrados


Glub glub glub

Devíamos ter pés-de-pato

segunda-feira, agosto 13, 2007

Já sei

Agora menino,

você se encolhe em feto,

as janelas em escuro pano

e torce para que caia do céu

uma chuvinhinha, pequena e fina,

de doer o meio do umbigo.

e espera não saber mais,

se noite ou dia,

que faz lá fora

a mesma toada

desde que gasta o mundo.

até tudo ficar claro




Lucas dos Anjos

segunda-feira, agosto 06, 2007

Vermelho

Há de ver o verte
Como se prenhe fosse
Como se tudo acabasse
Num vermelho sem fim

Há de tecer o vértice
Como de praxe, trouxe.
Há de tocar o espasmo
Num rubro trampolim

Há de despir de vestes
E há de passar por mim
Como se sentir na pele
Demais fosse para mim

Hei de lembrar assim



Lucas dos Anjos

quinta-feira, julho 26, 2007

didática das flores

É tudo muito rápido. Os primeiros solavancos da caída em pouco dão lugar à dança suave, conduzida por braços de vento. Cambalhotas ensimesmadas. Durante o percurso, uma faixa de sol geralmente ilumina as pequenas nervuras, ainda há pouco tão pulsantes, mesmo que na costumeira estática. É fim de tarde e em algumas copas assovios conduzem o ritmo do ocaso. Por fim, o encontro com a grama e o repouso, depois do turbilhão.
o amarelo em queda.
um pingo de vida.



nian.pissolati

quinta-feira, julho 19, 2007

Descoversa afiada

Sem verseio

converso

falsas vontades


Procuro vazar-te,

sulco,

de veleidades


nos olhos,

na crista

de teus segredos


De punhais

em punho encontro:


Um par de olhos já vazados

Um oco vento

que me sopra


"chegaste atrasado"



Lucas dos Anjos

sexta-feira, julho 13, 2007

erro.ótico

- a melhor maneira de cair é deitado


o melhor ver

está no escuro


a maior fala é a dos olhares. depois do

abraço


e o calor...

está às três da manhã, envolvido e em repouso,

tomando guarda

enquanto o sol não vem



nian.pissolati

segunda-feira, julho 02, 2007

Desmaiado

Cores idas

Coloridas

que agora

Furtam outras

menos cinzas

Em uma aquarela

duotone.




Lucas dos Anjos

quarta-feira, junho 20, 2007

de(s)

De tudo que o amor é feito

De posses sem tato

De fatos, de leito


De tudo do amor, efeito

De saciedade do peito

De poses, ilusão.


De todo do amor, defeito

De juras, precaução

De consumo, resignação


De tudo que do amor rejeito

De fins, projeção

De falência, perfeição


De matéria

De imprecisão

De que é feito?



Aceitação...




Lucas dos Anjos

terça-feira, junho 12, 2007

.

muda

mundo

mudo

(o)

mundo

mando

o medo

pra


modo-mudo

manso


letra muita em papel branco

letra pouca quando fora

dentro

em

pouco

turbilhão


nota longa para um começo

breve


melodia em tempos de construção

estruturas

(re) caídas


canto o canto

cata o canto

quanto mais,

encanto.

*nian.pissolati

sexta-feira, junho 08, 2007

Meio ano inteiro

Jogando fora:
um balde de coisas antigas.

uma mala de desutensílios empoeirados.

e uma caixinha extravagante.


Guardando:

um papel em branco.

dois lápis.

e duas ou três idéias.

*nian.pissolati

sexta-feira, maio 18, 2007

venda.

eu vendo panos quentes!

eu vendo panos quentes!

verdes e pardos!

e molhados.

eu vendo planos rentes!

planificados e retalhados.

eu vendo planos à prazo

com juras e correção.

eu vendo por anos

o cheio e o vazio

a reta e a curva.

sem desconto.

*nian.pissolati

sexta-feira, abril 13, 2007

caixa.mágica

Seria bonito
Se não fosse mentira
Dizer que todos aqueles dias
Todos aqueles sopros
E todas as risadas estivessem
Devidamente catalogados
Em ordem cronológica
Separados por anos
Meses
E sinceridades
Numa caixa vermelha fechada
(facilmente acessada quando conveniente).

Mas a chave ainda está aí.

O que torna daqui
Fábula.

*nian.pissolati

quinta-feira, março 22, 2007

Tanto Traço

Lucas dos Anjos

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

dois era um

enquanto eu caminhava você vinha e

sem pensar muito fui me acostumando a essas tantas vozes diárias

sem aperceber do vão que me causara

e como o passar das horas tinham diferentes pesos.

me olhava quase em transe.

nem cogito a possibilidade de falar das inúmeras medidas

como se disso tirasse algum proveito...

essas sempre fomos mestres em abandonar.

bem sei eu que isso tudo não passava de um jogo

e talvez por esse costume de brincarmos com o indevido

desses que te ensinei no respiro fraco e contínuo dos dias

acabamos por largar de vez nossos lugares-borboleta de antes

e com esses olhos embaçados você acompanhava cada ranço meu.

porque como sabe bem, essa maneira de lidar com o tempo a dois

na realidade de nossos dias impensáveis, apenas um esquivo,

tem lá seus riscos e não seríamos nós que mudaríamos isso.

e só quando eu cheguei bem perto

vi finalmente na sua negação o desespero inútil contra o tempo

e percebi que não poderia conceder-lhe minha mão

que mais uma vez venceu. e digo-te, com um certo asco (quem diria!)

que você começava a aceitar que dali por diante

sem deixar de sentir o sabor de lágrima me inundar a boca :

agora um era dois.


*nian.pissolati

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Passarado

Sobre todo o verso
Que aqui assola leve
Há um sério perigo
que alegria seja breve

Encorpado e contumaz
o que resta é certeira tristeza
De saber agora mais breves
Sorrisos e outras levezas


Prudente é altear
Escalada
Cava-se antes
A queda
alada




Lucas dos Anjos