quarta-feira, julho 08, 2009

Despedaço-me

O tempo não foi tão cruel e definitivo a ponto de proibir as idas e vindas dos pensamentos que visitavam com freqüência aquele tempo tão longe de se alcançar.

As memórias sempre se encontravam agasalhadas, em uma gaveta, em alguma parte do corpo que quando a sensibilidade batia à porta, fazia-se fácil viajar até ali e desdobrar algumas experiências empoeiradas e cheias de vida.

Daqui de onde estou, no tempo velocista de todo dia, da dinâmica instaurada pela vida adulta, tenho apenas alguns segundos para sentir saudades. Parado na calçada esperando um táxi, ou ali, empacado no trânsito nosso de cada dia. Nesses momentos vou acolá e resgato um daqueles pensamentos cheirando a setelagoas, esvazio um pouco a cabeça e assim inflo o peito, numa dor gasosa, etérea, grave que costumeiramente anda pareada a um marejo doido nos olhos. Um verdadeiro balão que se esvazia em cima e se enche abaixo tendendo ao estouro anunciado.

Sorte que eu tenho pouco tempo para essas coisas. Preocupo-me de fato com os outros que habitavam esse passado. Será que conseguem sobreviver a essa falta ou pouco se importam se um dia existimos? Se um dia existimos como uma liga delinqüente ou como uma confraria de fumantes, tomadores de café, rockers oitentistas, capoeiristas, vendedores de bebidas, comedores de mexido ou jogadores de vôlei.

Certamente eles já choraram de saudade mais do que eu sucumbi a tal ato. Sou ainda capaz de apostar que pegaram o telefone, procuraram alguns nomes na lista e telefonaram uns aos outros para saber se ainda magrelavam ou se a voz ainda estava rouca como quando ainda adolesciam.

Só de pensar sinto cheiro de comida. Os escândalos da pimentinha, os feijões noturnos de Licota, cachorros-quentes da Tia com chantagem de amizade e queijo por baixo, frango assado e coca-cola na volta do Regina. Acho que devo ser um dos únicos que hoje sofre com a balança. Será?

Tudo ali naquele tempo não faz nenhum sentido hoje, a não ser pelo fato de eu e dos outros sermos feitos dessas lembranças, pedaço a pedaço, e agora como sou? Esses pedaços latejam de falta em mim. Esburaquei-me desse tempo, dessas pessoas, desses amigos de quem fui subtraído pelo tempo que levou muita saudade e alguns cabelos de mim.

O que eu quero com tudo isso? Não sei, talvez eu queira ser como um polvo, guerrilhar em várias frentes, ter uma máquina de tele-transporte, ter férias por seis meses e um telefone de graça para tentar de alguma forma ajeitar essas gavetas semi-esquecidas. Esvaziar o peito de tudo ou quem sabe enchê-lo de novas idéias sobre velhas memórias. Rever alguns pedaços de mim que não sei ao certo se agora digitam números nos bancos, ensinam histórias, se vendem coisas ou se são vendidos, se moram com a mãe, fumam, casam e separam, se fazem filhos, se ainda acordam mal humorados, se ainda são bons de sinuca, se deixaram de ser sovinas, se pararam de se apaixonar por todo mundo, se conseguiram jogar fora suas tralhas ou se já se esqueceram de tudo.

Eu de minha parte sinto muito que tudo tenha que ser assim.

6 comentários:

Letícia disse...

"ter uma máquina de tele-transporte, ter férias por seis meses e um telefone de graça para tentar de alguma forma ajeitar essas gavetas semi-esquecidas"

era exatamente isso que eu queria!

Letícia disse...

"ter uma máquina de tele-transporte, ter férias por seis meses e um telefone de graça para tentar de alguma forma ajeitar essas gavetas semi-esquecidas."

era exatamente isso que eu queria!

Letícia disse...

Ai. Li de novo. Chorei.

Daniela disse...

Acho que a gente nunca quer se distanciar das pessoas. Mas acaba deixando por comodsimo e depois de um tempo não se identifica mais. E doi. O que é cômodo sempre deixa marcas.

BILONGAS disse...

Lucas....o passado por mais que pareça invasivo nos move passo a passo... ter vc, parte integrante do meinhas histórias, sacia minhas angústias futuras.... eu te amo meu irmão...

BILONGAS disse...

Lucas... por mais que pareça invasivo o passado, é ele que nos faz andar. Pimentinha, coca-cola no RP, licota são elementos constituidos em nosso peito e alma.... eu te amo meu irmão...