quarta-feira, dezembro 14, 2005

Três cigarros

Quando as coisas se complicaram mesmo já era tarde demais. Ele já não tinha mais certeza de muitas coisas e preferia se ausentar de seus relacionamentos e pseudo-relacionamentos. Tomou um café, sozinho, em frente àquela praça que outrora passara momentos felizes. Mas desta vez estava sozinho, só ele, a xícara de café, e seus três últimos cigarros do maço. Um casal ria à sua frente, conversando sobre o último verão. Uma leve dor de cabeça começava a anunciar que aquele final de dia na verdade era apenas o começo de uma longa noite abafada e sem sono. No máximo alguns minutos de sonhos ruins, que se confundiriam com seus maus pensamentos e que resultariam apenas naquele torpor opaco dos angustiados.

Tomou um gole do café e acendeu o primeiro de seus últimos três cigarros.

O calor era grande e confundia ainda mais suas idéias. Há muito vinha tentando tomar uma decisão. Mas os medos eram maiores que as certezas e achou melhor nada decidir. Alguns meses de ansiedade e expectativa por algo, que na verdade só dependia dele. Apagou o cigarro e pediu outro café. O casal na sua frente já tinha ido embora. Agora o que via era um senhor de idade, lendo o jornal. Impressionou-se com suas rugas. As linhas que cortavam seu rosto e suas mãos eram impressionantes. E começou a sentir o odor da velhice. E de certa forma sentiu aquele cheiro se impregnar em seu corpo, e de repente, seus vinte e poucos anos se multiplicaram três vezes. E agora sentia todo o peso da idade em suas costas. Estava cansado. Era como se seus últimos quatro anos tivessem valido por quarenta.

Acendeu o segundo cigarro.

Deu um gole no café que o fez sentir menos as coisas. Na verdade, chegava a uma conclusão, vendo aquele senhor, impassível, lendo seu jornal. Seu problema era que sentia as coisas demais. Tudo era muito. Queria poder estar calmo. Nem sofrer demais, nem morrer de alegria por alguns minutos. Apenas viver tranqüilo, com dias melhores, dias piores, mas sem grandes exaltações. Deu mais um trago que o fez acreditar ainda mais em suas idéias. E ao apagá-lo havia decidido três coisas: seria menos sentimental. Iria parar de fumar. E ligaria para sua melhor amiga falando que na verdade tudo de ruim que já havia acontecido era tolice. E que tudo deveria ser esquecido, porque eles eram muito maiores do que aquelas bobagens que ele havia feito. Viu que estava na hora de pensar em algumas pessoas que estavam com ele e às vezes, lhe passavam despercebidos.

Estava na hora do último cigarro.

Seu segundo café já tinha acabado. Tentou não pensar em absolutamente nada enquanto durassem seus últimos tragos. Brincou com a fumaça, tentou não associar aquele momento a nada, apenas a ele. Aquele era o seu momento. O momento de desfrutar tudo de si mesmo, e ver o quanto ele poderia ser bom e ruim. Pensou na maior bondade que já tinha feito. Na maior maldade também. E isso não o afetou tanto quanto ele pensava que afetaria. Talvez isso já fosse um sinal de que começava a domar seus sentimentos. Apagou seu cigarro. Pagou a conta. Chegaria em casa e ligaria para a sua amiga.

***
Ele nunca deixou de sentir tanto. Dois meses depois voltou a fumar. E ele descobriu que sem sua amiga, ele não seria ninguém.

*npl

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